Babel e o incômodo

Babel (Alejandro González Iñárritu, 2006) é daqueles filmes que revelam “verdades incômodas”, como se nos mostrasse visualmente que no mundo globalizado quem perde são os pobres: marroquinos, mexicanos pobres versus norte-americanos e japoneses detentores do poder, do dinheiro, do direito de ir e vir. Temos no filme de Iñarritu o antigo e o contemporâneo convivendo (pura globalização). Marroquinos humildes em suas vestimentas, moradas, cultivos/pastoreio, surrados pela policia, sem médico (veterinário serve), sem ambulância, crianças baleadas na frente dos pais. Japoneses vivendo em meio à avalanche tecnológica, sendo devorados pelas imagens, pelas roupas da moda, pelas drogas da moda, pela bebida, morando em altos prédios, indo para “baladas”. Um dos pontos de ligação entre Marrocos e Japão é uma arma. Um rifle que é dado pelo pai/caçador japonês ao guia marroquino como presente. Porém, para demonstrar como a globalização é presença constante, o rifle é vendido pelo guia ao vizinho de montanha para matar chacais. Porém, os filhos/pastores acabam treinando tiro ao alvo em um ônibus de turismo onde está o casal norte-americano. Na poeirenta e típica festa de casamento mexicano também aparece uma arma sendo usada. A arma como produto de globalização, desde policiais até marginais (a margem da sociedade).

Violência, desespero, medo, ausência de afeto, luxúria e solidão são constantes no filme Babel. Entre o céu e a terra, são tantas as emoções e desilusões. O próprio título “Babel” nos remete ao relato bíblico (Torre de Babel) descrito no capítulo 11 do Gênesis. Os povos descendentes de Noé começaram a dominar a arte da construção e decidiram edificar uma “cidade e uma torre cujo cume toque nos céus”. Na mitologia da Antiga Babilônia, no mito da criação, encontramos todos os deuses exprimindo certa gratidão ao deus-guerreiro Marduk (Marduck/Marduc/Marduque/Merodach). Os deuses erigiram um grande santuário, o Entemenanqui, a Torre de Babel (MELLA, 2004, p. 149). E-temen-na-ki (“templo fundamento do céu e da terra”), que constitui a base da lenda do Templo-Torre de Babel, a “suprema casa da vida” (PINCHES, 1908, p. 08).

O que temos em Babel é uma mistura de lugares, línguas, ações, seres fraturados (física ou metalmente). Richard (Brad Pitt) e Susan (Cate Blanchett) estão passando por um momento de fragmentação (casal x família x amor que se vai x filho que se foi) e logo descobrirão que a vida ainda é bem mais frágil do que se imagina. Um tiro apenas e toda uma comoção mundial se instaura. Um tiro no ônibus e uma criança é praticamente fuzilada logo depois. Onde termina meu limite e começa o do outro em um mundo tão globalizado? Onde está a fronteira? “Globalização significa (...) a remoção de fronteiras e, portanto representa uma ameaça para aquele Estado-nação que vigia quase neuroticamente suas fronteiras” (HABERMAS apud BRIGAGÃO, 1998, p.22).

              Babel é ignorância (não entender a cultura a língua do outro) e poder (eu mando, o outro apenas obedece/morre/é deportado). Em meio a tantos barulhos, o silêncio da jovem deficiente auditiva parece ser o que mais grita. Quase uma obra de Edvard Munch (1863-1944), na qual o grito não é ouvido, mas é lido na imagem. A jovem japonesa, nua, grita em silêncio no alto de sua Torre de Babel: “Preciso/desejo/necessito de contato! Um toque, um som, um corpo, qualquer afeto! Eu existo!!!”.

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