“Gosto de cereja” (Direção: Abbas Kiarostami, Irã, 1997)

                                                           A amora e a perspectiva

 

 

Há tantas pessoas que veem o cinema como uma maneira de esquecer suas vidas, seus problemas e dificuldades. É claro, as pessoas querem que o filme seja baseado em seus hábitos. Porque hábitos perturbadores entram em conflito com o público e criam hábitos sem conflitos. A este respeito, os filmes do cineasta iraniano Abbas Kiarostami (1940-2016) são filmes que tornam com dois tipos de audiência, ou as pessoas amam, ou odeiam os filmes de Kiarostami.

 “Gosto de Cereja” (Cherry Taste) foi lançado em 1997 e ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes no mesmo ano. O filme é sobre um homem que quer cometer suicídio e não sabemos o motivo. O Senhor Badii (Homayoun Ershadi) planeja colocar todas as suas pílulas para dormir em uma xícara pré-preparada e, portanto, está à procura de alguém, nas montanhas nos arredores de Teerã, para pagar muito dinheiro após enterrá-lo. Senhor Badii se dirigiu a três pessoas em seu caminho e fez o pedido para elas: o primeiro é um antigo fazendeiro que se tornou soldado do Curdistão que não aceita e, em última análise, não consegue perder o Sr. Badii; o segundo é um seminarista do Afeganistão, que diz ser contrário ao suicídio e não aceita; a terceira pessoa é um turco taxidermista que precisa de dinheiro devido à doença de seu filho e aceita o pedido de Badii. Os três personagens podem ser lidos como a ação (soldado), a religião (seminarista) e a ciência (taxidermista). Na manhã seguinte, o velho turco, que é um funcionário do museu de história natural, estará no topo da cabana e chamará o Sr. Badii duas vezes, e se não responder, jogará terra nele. Na cena final do filme, quando o Sr. Badii está em um buraco e espera pelo seu destino, ouvimos raios e chuva, e observamos a tela preta. Então ouvimos a voz dos soldados falando e as filmagens mudam, e vemos Homayoun Ershadi, Kiarostami e o grupo de filmagem participando do desfile dos soldados. Então Kiarostami anuncia que os soldados podem descansar ao lado da árvore. No final do show, há soldados descansando lado a lado, alguns estão alegres e toca um jazz de Louis Armstrong. Devemos lembrar que o Senhor Badii falou ao jovem soldado que seu melhor momento na vida foi na guarnição e lá encontrou os melhores amigos.

Escolhi “Gosto de Cereja” por ser um filme franco-iraniano de reflexões sobre vida e morte. Depender de outra pessoa para nos enterrar parece tão banal, mas Abbas nos mostra o quanto é complicado a relação empática na decisão da morte. O conflito é o envolvimento com o motivo da morte de outra pessoa. Não sou uma apreciadora do cineasta Kiorastami e o tema me causou estranhamento, pois as pessoas querem matar pessoas, mas ninguém, de boa vontade, deseja enterrá-las, muito menos pagando. É preciso uma pessoa que já passou pela mesma situação e careça muitíssimo de dinheiro para aceitar o papel de coveiro de alguém. O velho taxidermista conta a estória de seu quase suicídio e de como o gosto das amoras, o amanhecer e as crianças o animaram para a vida. O velho senhor tem empatia e já sentiu a dor do Senhor Badii.

No filme temos as fronteiras do estranhamento do tema, das pessoas perante o desejo da morte de alguém. Senhor Baddi parece sofrer do desencanto pós-moderno com o mundo. Nada parece ter se cumprido para nenhum personagem da estória. Vemos “a incapacidade dos seres humanos para planejar e realizar um futuro mais harmônico, justo e solidário” no filme de Abbas (MARTINS; ABREU, 2018, p. 05). O encontro do Senhor Baddi com personagens que não estão em sua terra natal mostra-nos o intercâmbio social de forma incomoda e ruidosa. Qual é o posicionamento dos personagens no mundo, quais suas ambições? Eles pensam sobre as próprias identidades enquanto descem e sobrem vertiginosamente os caminhos que cortam a montanha cheia de instabilidades e fronteiras pedregosas.

A figura do outro é a própria busca por empatia. Senhor Badii não aceita que o soldado e o seminarista lhe deem conselhos sobre a morte, pois nunca tentaram morrer, mas o taxidermista entende o Senhor Badii, pois também sentiu a dor de existir e desejou não mais existir. Houve empatia entre o taxidermista e o motorista solitário:

“Meu querido homem, sua mente está doente, mas não há nada de errado com você. Mude de perspectiva.” (Taxidermista para o Senhor Badii).

Eu me sinto como o velho taxidermista do filme. Posso entender a vontade do Senhor Badii. A vida, várias vezes, é tão pesada e amarga, que não existir parece uma solução. Porém, a gente sempre encontra um gosto de amora e muda de perspectiva dia após dia. O gosto de amora (ou cereja) está na convivência cotidiana, nas buscas pela identidade, na necessidade de empatia e na conciliação com a natureza humana. Cada personagem, assim como eu mesma, entende o lugar de fala do personagem principal, mas, ainda mais, buscamos nosso lugar de escuta para entender a nós mesmos e nossos lugares no mundo.

Para Senhor Badii a morte não é um caminho, mas um fim. Para quem assiste ao filme de Kiaorastami, a fronteira entre a vida e a morte é um caminho sinuoso repleto de múltiplos enfoques e alteridades. O soldado e o seminarista ainda não entendem que ser empático ao desejo do Senhor Badii é aceitar que somos mortais. Os jovens não se autoconhecem, não são empáticos e resilientes. O taxidermista é a própria visão da resiliência, pois viveu, amou, quase morreu, tenta viver e saborear a vida, mas também sabe que a morte vem para todos (de uma forma natural ou não).

“Você não entenderia. Não que você não tenha entendimento, mas você não pode sentir o que eu sinto. Você pode ter empatia, compreender, mostrar compaixão… mas sentir a minha dor? Não. Você sofre e eu também, eu te entendo, você compreende a minha dor, mas não pode senti-la” (Senhor Badii para o jovem soldado).

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

MARTINS, Alice Fátima; ABREU, Carla de. Pedagogias de Fronteira. Licenciatura em Artes Visuais. Percurso 2. CIAR. Goiânia: UFG, 2018.

 

REFERÊNCIA FÍLMICA:

  

GOSTO de Cereja. Direção: Abbas Kiarostami. Produção: Abbas Kiarostami. Intérpretes: Homayon Ershadi; Abdolrahman Bagheri; Afshin Khorshid Bakhtiari; Safar Ali Moradi; Mir Hossein Noori e outros. Roteiro: Abbas Kiarostami. Música: St. James Infirmary. Irã/França: Sourehcinema; Zeitgeist Film. 1997. 1 DVD (91 min), widescreen, color. 

O circo pega fogo

Precisamos falar sobre Stephen King! Nunca vi uma pessoa gostar tanto de sangue (menstruação, no elevador, no esgoto, em todo lugar), de palhaços, de vozes aleatórias, de mães opressoras, de bullying, de grupo de garotos curiosos, de garotas suprimidas, de cidades malditas, de buracos/portais, de armas de qualquer tipo, coisas expelidas pela boca, crianças ignoradas pela escola ou pelos pais, entre outros fatos das obras de King.

Quem não viu “It”, vá com medo, pois é o medo que alimenta o palhaço (agora sei pq Trump venceu nos EUA). E eu que achei que o It de 1990 já era agoniante. Engano! O Pennywise - Palhaço Dançarino- feito por Bill Skarsgård é medonho. Gente, ele fala e baba de vontade de morder as crianças. Sabe o que é pior? A sensação que ele tá olhando pra gente. No começo achei que o ator era um pouco estrábico, mas alguém me disse para tampar um olho e depois o outro. Puta merda, o palhaço olha pra criança e pra câmera/o público. Afffffe!!!!!! Os destroços do circo de Pennywise aparecem em “A Torre Negra”, ou seja, se o mundo acabar... As lembranças de um maldito palhaço permanecem em mundos paralelos. Não adianta, enfrente seus medos.

 

Vou lhe dar outra dica agoniante. Começou a 7ª temporada de “American Horror Story” que é “Cult”. Várias fobias: palhaços, tripofobia (aquela fobia de padrões irregulares ou de agrupamento de pequenos buracos ou saliências, tipo as sementes de Lótus e colmeias), violência... A série já começa com a vitória de Trump. Quer coisa mais medonha? Nessa vitória temos a sublevação do “white trash”, aquelas pessoas que marcham pela segregação, pelo extradição de imigrantes, pela construção de muros, contrários a diversidade de gênero. O primeiro episódio da sétima temporada me deu mais agonia que It. Como não ter medo quando o mundo desaba? Como não ter medo se estamos cheios de fobias e drogados por tantos medicamentos para ansiedade e depressão? O mundo tá um circo e os palhaços estão sentados no pico do poder vendo a gente pegar fogo. Pq palhaços? Simples, lembra-se da musiquinha “Este ano vamos ter variedade. Vai ser um barulho na cidade. [...].O palhaço, o que é? É ladrão de mulhé!”. O palhaço é a quebra da ordem, da lei estabelecida, o não juízo. O palhaço pode roubar uma mulher e quebrar 3 mandamentos: 7 - Não roubar; 9 - Não desejar a mulher do próximo; 10 - Não cobiçar as coisas alheias. E você ainda ri de tudo o que ele faz, pois era você quem queria fazer, mas não pode. Você segue as regras e tem medo de ser punido. O palhaço não. A comédia nunca é finita, nem o horror! Somos todos palhaços! Você quer um balão? Venha flutuar comigo!

A Dançarina

A dica de hoje é movimento criativo. La Danseuse (Dir. Stéphanie Di Giusto, 2016) é um filme belíssimo sobre a criadora da “Danse Serpentine”. Nascida Marie Louise Fuller (1862-1928), adotou o nome artístico de Loïe Fuller e também foi conhecida como a “deusa da luz” por ensinar a luz a dançar. Apesar de norte-americana, foi na França que fez bastante sucesso. Loïe fez inovações na iluminação teatral e no uso de diferentes tecidos para dar maior amplidão de movimentos ao corpo de quem dança e nas coreografias. Os artistas Jules Chéret, Henri de Toulouse-Lautrec e Auguste Rodin a usaram como modelo, vários escritores dedicaram suas obras e as mulheres “ousadas” de uma sociedade vanguardista europeia a admiravam. O filme é interessante, com atuações delicadas. A atriz que faz Loïe passa todo o sofrimento de um corpo que esgota por causa de tantos movimentos frenéticos. A única coisa que me agoniou durante o filme foi à atuação de Lily‑Rose Depp como Isadora Duncan. Tava muito “sebosinha”. Peguei birra da criatura. No filme é perceptível que Loïe quebrou o molde da coreografia tradicional e preparou o caminho para o desenvolvimento da dança moderna. Loïe até ajudou a lançar outros pioneiros, entre eles Isadora Duncan. Uma mulher “avant-garde” amiga de pintores, cientistas, escritores, a realeza romena e com uma enorme vontade de inovar na dança. A luz que ela usava no teatro, para a dança, quase a cegou. Uma moça que saiu da pobreza extrema, sem muito estudo, sem condições financeiras e mudou a dança, a iluminação teatral e tornou-se uma mulher forte no universo das artes. O filme é lindo, sensível, musicalmente delicioso e triste, graças à diretora francesa Stéphanie Di Giusto e a atriz Soko (Loïe). Sensação durante todo o filme? Me enfiar numa banheira com muito gelo. Fiquei dolorida apenas de olhar os movimentos serpentinos. Loïe era uma flor, um borboleta, uma serpente e um tornado em seus movimentos. 

Mulheres Afrontosas

Dica de filme com mulheres afrontosas:

The Beguiled ("O Estranho que Nós Amamos", Dir. Don Siegel, 1971) é o tipo de filme em que o homem se dá mal, muito mal. O melhor é que esse homem é o lindo jovem Clint Eastwood (tá lindo demais, todo machoso com um cabelo volumoso). Gostei de ver o sempre machão Eastwood ser "emasculado" pelas mulheres que vivem em um terrível período de guerra civil. As mulheres sulistas praticamente abatem o lobo solitário. Clint atua como um soldado manipulador e cheio de falhas morais, um homem fraco e impulsivo que quer se dar bem com todas as mulheres, até uma menina de 12 anos se apaixona por ele. Em um local em que as mulheres aprendem sobre bons costumes, beleza e etiqueta social, um soldado sujo é o lado erótico que bate no portão do Seminário da Miss Martha Farnsworth (refúgio ou inferno?). O filme mostra que todos somos escravos de nossos desejos, principalmente os mais profundos. Para quem for assistir a versão de 1971, preste atenção na menina da tartaruga. Os melhores venenos são trazidos pelas menores pessoas. Agora falta ver o que a Sofia Coppola aprontou.

Vivemos?

To the bone (O mínimo para viver, Dir. Marti Noxon, 2017) é de uma sensibilidade sobre ausências que chega a doer na alma. O pai não aparece em momento algum durante todo filme, é sempre alguém que está por chegar e nunca chega. A mãe resolve deixar a filha com o pai e vai viver com a companheira em outro Estado. O pai se casa, tem nova família, outra filha, mas a primogênita fica indo e vindo entre a casa da mãe e do pai/madrasta. Nesse não espaço, a moça perde a vontade de ingerir. Fome sente, mas não engole. Todas as calorias contadas. Menos é melhor. Menos afetos, menos peso, menos gordura, menos laços familiares. O filósofo alemão Ludwig Feuerbach (1804-1872) afirmou que para melhorar as pessoas, ao invés de discursos contra o pecado lhes deem melhores alimentos. "O homem é o que ele come". E se não comemos? Não somos! No filme temos uma anoréxica que não sabe mais quem é nesse louco mundo das belezas magérrimas, com barrigas negativas, bundas na cabeça, tudo "trincado e chapado". O corpo da jovem está se alimentando de algo mais forte que comida, o corpo está se alimentando de ausências. Tem uma cena linda no filme em que a mãe oferece amamentar a filha adulta. Uma mamadeira e colo de mãe podem ajudar na relação entre as duas e na não vontade de comer da filha. A mãe diz que aceita a vontade de não se alimentar e querer morrer da filha. A cena é tão "Pietá", como uma mãe que acolhe um filho que está morrendo. É uma despedida e um retorno ao materno que se perdeu, ao colo, ao centro de todo afeto um dia perdido. "Quando a morte vai chegando, a gente quer é o colo materno de onde saiu" (Rubem Alves). O corpo se alimenta de ausências: um filho perdido, um sonho interrompido, uma família dividida, uma culpa de morte, um amor não correspondido, falta de esperança. Estamos famintos até o osso, mas nosso corpo só se alimenta de tristezas em tempos de excessos das imagens corporais. O mesmo vale para quem come em excesso para preencher as ausências. A vida também é doença crônica repleta de vazios, ou os produzimos ou os preenchemos.

Solitários

Vou te dar 13 razões para... Mentira, vou te dar 3 razões para saber sobre dor, bullying e solidão.

Primeira razão: Assista o filme “A Monster Calls” (“Sete Minutos Depois da Meia-Noite”, 2016) para entender o sofrimento de uma criança, Conor O'Malley, que está lidando com a doença terminal da mãe, a ausência paterna, bullying na escola, avó controladora, solidão e imaginação fértil. Filme lindo que mostra que todos precisamos confrontar nossos medos, nossos monstros. Nem todos são bons ou ruins. “Muitas coisas que são verdadeiras parecem ser trapaça. Reinos conseguem os governadores que merecem. Filhas de fazendeiros morrem sem razão. E algumas vezes as bruxas merecem ser salvas. Nem sempre temos um herói e nem sempre temos um vilão. A maioria das pessoas está simplesmente a meio-termo” (fala do monstro, voz gutural do Liam Neeson). Filme lindo, com animações bem realizadas, atuações fascinantes. Maravilhoso!!!!!!

Segunda razão: O que você pode se tornar quando passa por tantos sofrimentos? Você pode se fragmentar e adquirir várias personalidades... É o que ocorre em “Fragmentado” (Split, 2016). Mais um ótimo filme de M. Night Shyamalan, com uma absurda interpretação de James McAvoy. São 23 personalidade (ou não): uma criança, uma senhora, um estilista talentoso, uma besta bizarra...Todas as personalidades protegem Kevin W. Crumb. O que é puro ou impuro na humanidade? O corpo que sofre é uma alma que sucumbe às dores da existência? Ser resiliente te faz mais forte ou mais cansado e solitário? A gente se esconde dos outros e dentro da gente, debaixo de várias e várias camadas de nós mesmos.

Terceira razão: Não é um filme, mas uma puta série sobre juventude. Solidão, bullying/ cyberbullying, vazio, falta de apoio familiar, falta de amigxs, abuso físico e mental, não saber como lidar com as desgraças da vida, sexualização das mulheres, machismo, sistema educacional falho, depressão... Sim, tudo isso em “Os 13 Porquês” (13 Reasons Why). Hannah Baker come o pão que o diabo amassou, triturou, queimou e mijou. Nunca vi uma personagem mais “khda” (o termo só poderia ser esse, no mau sentido). Resultado: uma cena forte de suicídio. Como não engolir seco? Como não pensar que você pode, um dia, ter sido um motivo de dor pra alguém. Série necessária para o momento em que vivemos, em que todo mundo se pega e ninguém se apega. Triste, mas bem necessária. Obrigada Selena Gomes (produtora executiva). Você assiste/ouve as 13 fitas com uma agonia latente.

 

Sofridos, solitários, fragmentados... O que une essas minhas 3 razões? O sentimento de invisibilidade. Não vemos o outro, a dor do outro, o sentimento, o sofrimento, a solidão, a carência do outro. Não conseguimos nos olhar nem em nossos espelhos. Fazemos e vemos muito selfies, mas pouco olhamos o que há de triste no sorriso fake. E você? Está usando sua capa da invisibilidade social?Está se sentindo um objeto na paisagem urbana? Connor, Kevin, Hannah versus Connor, Kevin, Hannah. Lutamos contra nós mesmos. Algumas vezes ganhamos, outras vezes perdemos.

Querem nos enlouquecer

Dica de filme “puta sim, louca não”!

Sabe aquela atriz que você gosta de assistir? Sabe aquela cantora que você gosta de ouvir? Sabe aquela mulher que você respeita? Pra mim, é Barbra Streisand. Em vários filmes que atua Barbra tem vários dilemas com os homens e, em boa parte, acaba sozinha no melhor exemplo “você não pode ter tudo na vida”. Em alguns filmes ela toca em conflitos que as mulheres sofrem ou modos de vida que as mulheres também podem assumir: ser mulher e querer melhor estudo (Yentl); uma psiquiatra que tenta entender o suicídio, abuso sexual e os relacionamentos afetivos complicados (O Príncipe das Marés); amor versus política (The Way We Were); mulher e malandragem (What's Up, Doc?); mulher e sucesso (Funny Girl e A Star Is Born). Porém, assisti o ótimo “Nuts” (1987,Martin Ritt) que no Brasil ganhou o título certeiro “Querem me enlouquecer”. Barbra faz uma jovem rica, divorciada, que se torna prostituta de luxo e acaba matando um cliente abusador. A família deseja alegar a insanidade da filha e trancá-la numa instituição prisional para doentes mentais. O filme é sobre abuso físico e psicológico pelo qual as mulheres
são constantemente submetidas apenas por não se encaixarem no padrão “correto” de comportamento. Deixo um trecho no qual a personagem de Barbra, Claudia, desabafa perante a família e o tribunal: 
“Ouça, eu sei...Sei que deveria ter sido uma boa garota para a minha mãe e pai. Uma esposa obediente para o meu marido. Mostrar a língua para o médico. Baixar a minha cabeça para o juiz. Sei disto tudo. Sei o que vocês esperam que eu faça. Mas eu não sou só uma imagem nas suas cabeças. Entende? Não sou só uma filha, ou uma esposa, ou uma prostituta ou uma paciente, ou uma ré. Pode entender isto? Você acha que fazer boquetes por $ 500 é uma loucura. Bem, conheço mulheres que casam com homens que desprezam para que possam dirigir uma e passar verões em Hamptons. Conheço mulheres que rastejam pela merda por um casaco de peles. Conheço mulheres que vendem as suas filhas para segurarem os seus maridos. Então, não julguem os meus boquetes. Eles são saudáveis. Sabia o que estava fazendo a cada maldito minuto. E sou responsável por isto. Levanto a minha saia, eu sou responsável. Fico de joelhos, eu sou responsável. Agora, se eu fizer este papel que todos parecem querer que eu faça, se eu me fizer de doente, não vou ser responsável. ‘Pobre da doente da Claudia. Precisa da nossa ajuda’. Não vou fazer este papel. Estão me ouvindo? Não vou lhes dar isso. Não serei outra imagem nas suas cabeças. Claudia, a louca!”

Nem todo adeus é um fim...

Sobre a dor da perder alguém:

Essa postagem é sobre dois filmes intimistas e, de certa forma, de autoajuda (horrível perder o hífen).
O primeiro filme é “Beleza Oculta” (Collateral Beauty, David Frankel, 2016). Um filme com um elenco repleto de gente talentosa. Will Smith faz um pai que perde a filha e escreve carta para a Morte (Helen Mirren), o Tempo (Jacob Latimore) e o Amor (Keira Knightley). O filme é interessante até certo ponto, mas um pouco arrastado. Mas não é sobre isso que quero escrever... É sobre dor, vida e seguir em frente. A tristeza ensina e por tal motivo ela não tem fim. Rubem Alves já dizia que a vida não era uma entidade biológica, mas uma entidade estética. A beleza de estar vivo é algo difícil de ser percebido, é uma beleza que permanece oculta até que uma perda - um adubo poderoso - nos liberta para seguir em frente. A morte, o tempo e o amor são os fertilizantes da Vida. Adélia Prado escreveu que “nunca nada está morto. O que não parece vivo, aduba. O que parece estático, espera”. Vivemos de esperas, de tempos em tempos, de saudades do que perdemos, do amor que se foi. Superar a dor e deixar que a beleza, antes oculta, se revele é como deixar o cadáver, aquele que enterramos em nosso jardim emocional, brote flores.
O segundo filme sobre dor, perda e vida que segue é “A Cabana” (The Shack, Stuart Hazeldine). Até que enfim deram um papel de Deus para uma mulher fantástica como a Octavia Spencer. Pensei que só Morgan Freeman faria Deus de forma interessante. Quando vi a personagem divina de Octavia fazendo uma torta, quase morri de rir (já viu “Histórias Cruzadas”? Oh shit!). Não é um filme sobre religião, embora o classifiquem assim. É um filme sobre a dor que brota das desgraças e faz ervas daninhas crescerem em você. O personagem principal perde a filha e se encontra com a Divina Trindade. O legal é que Deus é uma mulher negra, Jesus é um árabe (amém), e o Espírito Santo é uma asiática. Os diálogos são interessantes, as atuações são tocantes e a estória flui. Para perder todo sofrimento, o pai precisa fazer uma jornada de perdão e plantio. Cada sepultamento é um plantio. A semente precisa morrer para dar frutos - "palavra da salvação, amém". Os mortos, as “entidades sagradas” para Merleau-Ponty, precisam de espaço para viver. Precisam da retirada da erva daninha (ódio, desgosto, falta de perdão, culpa, tristeza profunda) para florescer. Shakespeare escreveu e Chico cantou que “saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”. Arrumar o quarto dentro do corpo de cada mãe/pai que perde um filho é criar uma mandala- encontrar um eu pleno de paz em você. A roda da vida deve continuar rodando apesar de perdermos quem amamos. No centro de nós, uma árvore de saudade e carinho eterno nascerá.
Eu poderia falar de dados técnicos, fazer a crítica dos filmes, apontar defeitos e qualidades... Mas quer saber? O mundo anda muito chato, cheio de tristeza triste (o que poderia ter sido e não foi), medíocre e bélico para não falar de tristeza alegre (poderia ter sido e foi). Quando a realidade é desumana, a arte busca o humano em nós. Vamos chorar. As lágrimas regam o cadáver que plantamos em nosso jardim.

 

Para todas as árvores que plantei em mim.

Deuses americanizados

Caramba... Arrepiei com o livro e seus deuses, mas esse segundo episódio de "Deuses Americanos"... Mermã, é melhor que Bilquis devorando o cara no quarto vermelho (mentira, quase né). Olha a fala de Kwaku Ananse (na série é Compe Ananse, Kwaku é o nome dado aos meninos Ashanti que nascem na quarta-feira) para os negros que estão em um tumbeiro e pedem ajuda do deus aranha: “Deixe-me contar-lhe uma história. ‘Era uma vez um homem que se fodeu’. Gostaram dessa história? Porque essa é a história dos negros nos EUA. Merda, ainda nem sabem que são negros. Acham que são só pessoas. Deixe-me ser o primeiro a contar-lhes que todos vocês são negros. No momento que esses holandeses desgraçados puseram o pé aqui e decidiram que eles eram brancos, e vocês eram os negros, e essa é a forma gentil que eles te chamam... Deixe-me ilustrar o que espera por vocês na costa. Vocês chegam nos EUA, terra das oportunidades, leite e mel, e adivinhem? Vocês todos serão escravizados. Serão separados, vendidos e trabalharão até morrer. Os sortudos folgarão no domingo para dormir, foder e fazer mais escravos. Tudo isso, pelo quê? Por algodão? Anil? Por uma camisa púrpura? A única boa notícia é que o tabaco que seus netos cultivarão de graça vai dar muito câncer nesses filhos da puta. E eu ainda nem comecei. Cem anos depois, vocês ainda estarão fodidos. Cem anos depois disto. Fodidos. Cem anos depois de serem libertos, ainda estão sendo fodidos nos empregos e sendo baleados pela polícia”. E tem um jazz rolando! Segundo episódio e eu já to “morrida”!

O que Júlio Verne e Jean Cocteau possuem em comum? Além de serem franceses, ambos falam aos jovens do futuro. Verne escreveu o maravilhoso "Paris no século XX" (escrito em 1863) e Jean Cocteau fez o doc. "Jean Cocteau fala ao ano 2000" (1962). É preciso ir ao passado para explorar o futuro. 
"Eu disse a vocês que hoje em dia a juventude está na merda. Ela perdeu o tipo de humanidade que nós tínhamos, e ainda nem está completamente robótica. É por isso que os jovens são acusados de serem muito tristes e preocupados: é o normal. Vocês ainda devem conhecer o grande pintor chamado Picasso. Picasso me disse: 'É preciso muito tempo para se alcançar a juventude'" (Jean Cocteau)

"O que chamamos de progresso pode ser, de fato, o desenvolvimento de um erro" (Jean Cocteau s'adresse à l'an 2000).

Girl Power

Resolvi fazer uma listinha sobre Filmes "Girl Power" focados na Sororidade. Não é a lista com os 10 melhores, pois lista que se preza deve ter 12 mais o Judas (não faz sentido? e dae, nada faz sentido mesmo). Bora pra lista:

1- "Colcha de Retalhos" (How to Make an American Quilt,1995) da ótima australiana Jocelyn Moorhouse que dirigiu também “A Vingança Está na Moda”. Jocelyn é casada com o diretor australiano P. J. Hogan que dirigiu “O casamento de Muriel” que amo.

2. “E agora, aonde vamos?” (2012) e “Caramelo” (2009) da diretora libanesa Nadine Labaki. Amo as mulheres fortes de ambos os filmes. E como são belas as libanesas.

3- O singelo “A vida secreta das abelhas” (2008) da diretora Gina Prince-Bythewood.

4- “O sorriso de Mona Lisa” (2003) do diretor inglês Michael Cormac Newell.

5- “Histórias Cruzadas” (2011) do gato diretor Tate Taylor.
6- “Chá com Mussolini” (1999) tem Cher (deusa) e foi dirigido pelo italiano Franco Zeffirelli (preciso falar mais nada).

7- O lindíssimo de chorar “Tomates Verdes Fritos” (1992) do diretor Jon Avnet que fez aquele filme bobinho (Intimo e Pessoal) que amo pq tem uma música ótima (para mim, silence) da Celine Dion.

8- “Flores de aço” (Steel Magnolias,1989) e “Somente Elas” (Boys on the Side, 1995), ambos os filmes possuem um puta elenco e foram dirigidos pelo Herbert Ross (o cara que dirigiu Footloose - Ritmo Louco).

9- “Divinos Segredos” (2002) dirigido pela texana Callie Khouri.

10- Tem “As quatro irmãs” (My Brilliant Career,1979) e Adoráveis Mulheres (Little Women,1994) da maravilhosa diretora australiana Gillian Armstrong.

11- Falando de amor (Waiting to Exhale,1995) é ótimo e simplesmente foi dirigido pelo Forest Whitaker e possui no elenco Whitney Houston, Angela Bassett, Lela Rochon e a Loretta Devine.

12- “For colored girls” (2010) foi dirigido por Tyler Perry e é phoda. Tem um puta elenco (Janet Jackson, Whoopi Goldberg, Phylicia Rashad, Thandie Newton, Loretta Devine, Anika Noni Rose, Kimberly Elise e Kerry Washington). Assistam logo!!!!!!!

13- "Da magia à sedução" (Practical Magic, 1998) do diretor Griffin Dunne (lembra-se de “Um lobisomem americano em Londres”? rsrsr).

Fina Flor

E isto é para garotas negras que consideraram o suicídio, mas que se transformaram e superaram, criando seu próprio arco-íris.
("For colored girls”, 2010), Dir. Tyler Perry, da obra de Ntozake Shange).

Um dos filmes mais sensíveis, sobre mulheres, que já vi. O filme é poesia filmada. Sério, alguns diálogos são poemas declamados. É lindo, é triste, é necessário, é para todas as cores e tipos de mulheres, para mulheres que amam demais e se perdem e mulheres que não conseguem amar pq se perderam em si mesmas. É filme fina flor! Cada mulher forte nesse filme e tem hora que suncê respira profundo por causa da atuação das 9 mulheres afro-americanas. 
“For colored girls” (2010, Dir.Tyler Perry; filme adaptado da obra da poeta Ntozake Shange, de 1975).

Sem dívidas

Mulher Maravilha é lindo né...Mas até chegarmos num patamar decente como protagonistas de filmes, séries e vidas, o caminho foi/é/será longo...Milhas e milhas sempre à frente do que dita a sociedade patriarcal. Vamos desbravando, abrindo picadas, tecendo caminhos para quem vem atras. Sinta a lindeza de um discurso "sou mais que um enfeite em sua árvore de natal". Trecho do filme "O Libertino" (2004, Laurence Dunmore) em que vemos a personagem da ótima Samantha Morton mostrar que mulher pode mais que ser amante/dona de casa/mãe de filhos. Lugar de mulher é no teatro, nas ruas, onde quiser e aprendendo o que quiser. Cada um sabe a dor e a alegria de suas escolhas. As mulheres não são obrigadas a nada e não devem nada para ninguém além delas mesmas.

Conde de Rochester: Nunca a quis como amante, Lizzie. Sempre desejei que fosses minha esposa.
Elizabeth Barry: Você não percebe, não é? Não haveria de ser a amante que estava cansada. Eu estava cansada de você, John. Cansada de você. Nunca desejei ser sua esposa. Nunca desejei ser esposa de ninguém. Quero continuar a ser quem sou. Londres entra neste teatro para me ver. Não para ver a atuação do George, nem do Sr Betterton. Eles querem-me, e querem me ver muitas vezes. Não vou trocar a certeza da minha glória pelo seu amor incerto
Conde de Rochester : Queria que tivesse um filho meu.
Elizabeth B: Eu tive um filho seu. Uma filha. Quando os teatros estavam fechados pelo Verão. No início da temporada, estava magra o suficiente, para fazer o papel de Desdemona.
C.R: Qual é o nome dela?
E.B: Elizabeth.
C.R: Elizabeth? A criança da nossa paixão. Quando criei os meus outros filhos, deixei de dar valor à vida, e ...agora, você não quer saber de mim. E não posso fazer o tempo voltar atrás. Nunca a perdoarei por ter me ensinado a amar a vida.
E.B: Se foi isso o que o ensinei, então estamos conversados. Os seus ensinamentos tornaram-se meu sustento. E a minha dádiva para você foi a própria vida. Não há motivos para nos voltarmos a ver. Se estiveres em Londres, e com meia coroa no bolso, poderá me ver. Quanto ao resto, espero ficar no seu coração, por vezes no seu pensamento, mas nunca em dívida.

Grande é o número de hipócritas no mundo! Numerosas são as máscaras com que se apresentam! Muitas vezes sentam-se ao nosso lado sem que o saibamos...!
("Tartufo", Dir. F.W. Murnau, 1925)

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Anti-melancolia

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E agora, aonde vamos!

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À memória de todos os poetas perdidos

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O demônio da ciência

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Somos memória

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Estamos recebendo somente terríveis notícias

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Estaremos felizes, se não piorar

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“Eu vou viver pra sempre. Eu vou aprender a voar (Alto)!”

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Vivendo no cativeiro

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Babel e o incômodo

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Acabamos, mas não perecemos

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O afeto que nos afeta

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Doomsday Book e o Ser

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Uma agorafóbica encantadora

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Os seios da noviça nem são tão rebeldes

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De monstros reunidos

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De doces, amores e fiéis amigos

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E viva a Liberdade e o Cinema

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