“Eu vou viver pra sempre. Eu vou aprender a voar (Alto)!”

 

Efemeridade, vaidade, banalidade, frivolidades consumistas, fetiche, são palavras que nos rodeiam na atualidade. “Alguns de nossos prazeres se edificam com base em frivolidades, fruições ligeiras, pequenos luxos: esta é uma das dimensões do desejo e da existência humana” (LIPOVETSKY, 2007, p. 79). Como exemplo de duas letras de músicas que fizeram (e ainda fazem) sucesso por representar as frivolidades de uma vida que se consome por metas efêmeras. A primeira letra é da música “Vogue” (“Moda”), na qual temos Madonna (ícone fashion dos anos 80 que mantém o sucesso) cantando a importância de buscar a beleza e a felicidade mesmo que por poucos minutos (duração de uma música em uma pista): “Quem você está olhando? Faça uma pose. Moda, moda, moda. Olhe ao redor. Em toda parte há mágoa. Está em toda parte. Você tenta tudo. Você pode escapar a dor da vida.A beleza está onde você a encontra”.  Já a segunda letra foi algo que saiu do campo cinematográfico e ganhou as boates (local de escapismo) através do filme Fame que passa a mensagem que não importa quem você seja, de qual classe social venha, almeje sempre a Fame (Fama): “Eu vou viver pra sempre. Eu vou aprender a voar (Alto)! [...]. As pessoas vão me ver e chorar (Fama)! Eu vou fazer com que seja o paraíso. Iluminar o céu como uma chama (Fama)! Eu vou viver pra sempre”.

As mulheres são escravas de seus vícios e estão constantemente praticando pequenos vaidosos rituais (depilar, maquiar, usar cintas para comprimir o excesso, regimes, andar em saltos altos e finos, tingir o cabelo). Somos, não só as mulheres, escravos do desejo de ser quem projetamos: um astro/uma atriz de cinema, esportistas, dançarinos, pessoas ricas, chiques, que vivem no glamour, no luxo. Para Sartre, em “O ser e o nada” (2008), a liberdade é desejar o que se pode, mas desejar o que não se pode é ser escravo do desejo. O tédio vem quando o desejo não é satisfeito ou sofremos porque nosso desejo não foi realizado. Porém, será que “beleza é fundamental”? Segundo o “poetinha” Vinicius de Morais, em sua poesia “Receita de Mulher”, beleza é fundamental e é preciso que mulher haute couture, que seja uma “eterna dançarina do efêmero”.

Vivemos na era do vazio, em uma era na qual “o homem indiferente não se apega a nada, não tem certeza absoluta, adapta-se a tudo, suas opiniões são suscetíveis de modificações rápidas” (LIPOVETSKY, 2005, p. 26). Somos seres que comem por prazer, por fuga e não por necessidade. Não sabemos dosar nossas vontades e acabamos tendo a sensação de mal-estar cultural. Estamos de mãos dadas com a deusa Hybris (personificação da falta de moderação, do descomedimento) e com a deusa Até (insensatez, fatalidade). Somos invejosos! Por inveja, a madrasta tenta matar Branca de neve. Inveja da beleza da moça. A inveja envenena tudo que é bom. A publicidade alimenta a inveja, finge trazer felicidade ao possuidor. O estado de ser invejado é que constitui o “glamour”. Ser invejado é uma forma solitária de confiança. O poder dos “glamourosos” reside na suposta felicidade. “(...) o miraculoso do consumo serve (...) de sinais de felicidade” (BAUDRILLARD, 1995, p. 22). 

No filme “O Diabo Veste Prada” (The Devil Wears Prada, David Frankel, 2006), temos a inveja entre as mulheres, a beleza e a magreza como motivo de culto e o glamour como eterna meta social; desejos que devem ser seguidos de qualquer forma, custem o que e a quem custar. Desejo de sucesso é algo inerente a homens e mulheres. Para o teatrólogo Plínio Marcos, no programa “Documento Especial” [1] (1991) da extinta TV Manchete, fala sobre “A Revolução dos Idiotas” [2] na qual o homem não sabe o que desejar, pois “tudo nele é maluco (...), o amor é romanceado; o sexo é compulsório; o trabalho é mecânico e as metas são sempre virtuais (e individuais)”. Não sabendo o que desejar, o homem cultiva a dor de existir com os sofrimentos diários. Será que somos realmente livres para fazer tudo que desejamos? Para Goethe, “ninguém é mais escravo do que aquele que falsamente se acredita livre” [3]. Somos escravos da vaidade! “Vaidade de vaidades, [...]! Tudo é vaidade” (Vanitas, vanitatum, est omnia vanitas) [4]. Buscamos sítios de prazer e diversão. “A vontade de escapar do cotidiano é cada vez mais buscada em esferas mundanas e condutas banais, nos divertimentos de massa” (RÜDIGER, 2002, p. 77).                                   

Em busca da eterna beleza, mulheres acabam se mutilando, sofrendo e até morrendo por um corpo esbelto. O uso de objetos pertencentes à vã glória é anunciado como verdadeiro milagre da ciência estética. Os outdoors, as revistas, mostram belas mulheres, com corpos malhados, depilados, cabelos sedosos e tingidos.  Mas será que vemos representada a realidade de todas as mulheres com diferentes biótipos e estilos?

 

 

 

 

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo.  Lisboa: Edições 70, 1995.

LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri, SP: Manole, 2005.

____________________. A sociedade da decepção / Gilles Lipovetsky; entrevista coordenada por Bertrand Richard. Barueri, SP: Manole, 2007.

RÜDIGER, Francisco. Comunicação e Teoria Crítica da Sociedade. São Paulo: Edipucrs, 2002.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada – Ensaio de ontologia fenomenológica. 15ª ed. Tradução e notas de Paulo Perdigão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

 

 



[1]“Documento Especial: Televisão Verdade” foi um programa jornalístico brasileiro criado e produzido pelo jornalista Nelson Hoineff e exibido em três emissoras: na Rede Manchete (1989 a 1991), no SBT (1992 a 1995) e na Rede Bandeirantes (1997 e 1998).

[2] O titulo é criação de Nelson Rodrigues em sua obra “O Reacionário: memórias e confissões”.

[3]  Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832). Frase encontrada no documentário Zeitgeist Addendum (2008).

[4] No Livro Eclesiastes 1:2 (Bíblia Cristã, Velho Testamento).

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